AUGUSTO LOUREIRO A BRUXA SCENAS AÇORIANAS Com um prefacio de Armando da Silva 1901 Antiga Casa Bertrand -- JOSÉ BASTOS 73 , Rua Garrett, 75 LISBOA O immortal cantor da Primavera disse que a ilha de S. Miguel semelhava uma esmeralda engastada no Atlântico . Não foi uma hyperbole de poeta . A terra do archanjo tutelar é , realmente , um poema de verdura eterna . Entre as suas povoações ruraes , uma das mais pittorescas é a Candelária , a três horas de jornada para oeste da cidade -- Ponta Delgada . Ora , como a Candelária foi o theatro onde se urdiram -- sem ser precisamente como a teia de Penélope -- as peripécias d' esta veridica historia , e alli se desenrolaram as scenas da sua acção , impõe-se-nos , como accessorio imprescindivel do quadro , um croquis como hoje se diz afrancezadamente . Pois façamos o croquis . E caprichoso o recorte do solo , que se abre em sulcos , fundos , paralellos , norte-sul , formando pequenos valles e uma sequencia de collinas , recostadas na falda das Cumieiras das Sete-cidades . Estas collinas e estes valles são a resultante das enormes convulsões geológicas porque passou uma montanha alterosa , transformando-a em cratera de um vulcão , cuja lava deixou aquelles vestígios seculares , hoje soberbos , pela sua luxuriante vegetação . Imagine-se umas telhas collocadas -- , alterna-ndo- se uma com o concavo , outra com o convexo para cima . Os concavos são os valles , no fundo dos quaes deslisam mansamente , originando , de espaço a espaço , catadupasitas , umas vertentes limpidas e frescas , que semelhantes a cobras de prata serpeando no seio da verdura , lá se vão escoar no grande oceano . Os convexos de cada telha são as collinas , onde os campos cerealiíeros se entremeiam com os pomares e os pinheiraes . A estrada que atravessa a aldeia longitudinalmente , de leste para oeste , estende-se desde a Lomba da Cruz até á Lomba d'Agua , em forma de zigue-zagues . Só assim se consegue subir ao vórtice das collinas , depois de passar pelo vértice dos valles , contornando suavemente o accidentado terreno . A povoação dissemina-se por toda a encosta . As casas , separadas umas das outras por hortos e pomares , são edificadas , no geral , ás orlas da estrada , quer nos visos dos outeiros , quer no seu pendor , quer lá no fundo dos valles , a cavalleiro das quebradas , sobre ravinas . Aquelle tresmalhado das habitações , aqui e além , pontos alvejantes a contrastar com o verde-mar das cearas e o verde negro do arvoredo e dos inhamaes , faz lembrar o Minho , para não irmos buscar a assimillação mais longe , ás paizagens da Escossia ou da Suissa . Dos tectos colmados dos albergues , e das chaminés das herdades , erguem-se espiraes de fumo alvissimo , que vão perder-se nos espaços infinitos , semelhantes a encaracolados véus de gaze ondeando ao sopro da viração , ou a nuvens do incenso espargido pelo grande thuribulo da Creação . As toldas de milho , destacando-se no ermo das eiras , são as sentinellas postadas alli contra a invasão da fome . A modesta igreja parochial no dorso da mais elevada das collinas , domina todo o povoado , como o anjo da guarda ensinando aos fieis o caminho da salvação . Um verdadeiro quadro de Vatteau . Estava-se em pleno outomno do anno de 18... . Na Candelária , como em toda a ilha , n ' aquella quadra do anno . os labores agrícolas estavam na sua máxima actividade . Os lavradores encastellavam nas toldas o milho desfolhado na véspera ; os carros chiavam monotonamente , vergados ao peso das maçarocas , que traziam dos campos visinhos ; as lavandeiras esfregavam as roupas nas margens das ribeiras , cantando alegremente ao som cadenciado do espadanar das correntes ; as tias velhas e as avós , sentadas no limiar das portas , fiavam as suas estrigas de linho e de estopa ; as raparigas tasquinhavam o linho , ensaiando cantigas para o charamha próximo ; e as creanças e o rapazio também davam o seu contingente de bulicio , saltando na estrada , cabriolando pelas sebes , cavalgando cannas a fingir corcéis , vozeando alegremente como bandos de pássaros . Mais acima , no matto , os carvoeiros ateavam as suas fogueiras , esbrazindo-as para o carvão que a cidade consumia . Recostados á sombra das toucas de tamugeiro , onde a paisagem é mais agreste , os pegureiros vigiavam os rebanhos que pasciam por entre as pastagens encrespadas de urzes , matisadas de malmequeres , rescendentes á hortelã-pimenta , ao rosmaninho , ao poejo , á macella , servindo-me da classificação plebêa . No campanário da igreja , cuja invocação é -- Nossa Senhora||_das|_Candeias das||_das|_Candeias Candeias|_das|_Candeias , -- o sacristão acabara de vibrar o toque do meio-dia , que se repercutiu em todas as sinuosidades da aldeia , annunciando a hora do descanço e do jantar . Em uma eira na ourella da estrada que corta os campos em direcção ao sitio do Soccorro , levantara-se também mão do trabalho . Para se resguardarem do vento os trabalhadores acostaram-se ao muro que separa a eira da estrada . A refeição , de alguns , compunha-se de lascas de peixe salgado com pão ou bolo de milho , de outros , de pão ou bolo com o conducto de malaguetas de salmoura . Ouviu-se por sobre as cabeças dos trabalhadores estalar esta phrase : -- Olá ! toca a jantar ? Era a voz de um rapagão , que se abeirara do muro , debruçando-se nas pedras toscas , como se fora em um balcão . -- Quem trabalha tem direito a comer , respondeu um dos trabalhadores . -- Por essa regra , eu , que ando á boa vida , não devo manducar ? obtemperou o interlocutor . -- Certamente , replicou um dos do rancho , que parecia mais destravado de lingua e menos temeroso ; certamente . Para os vadios , o marmeleiro ... -- Isso fia-se mais delgado : cá o pellinho é sagrado , vocês bem n ' o sabem , volveu o rapagão . Mas agora reparo : o Luiz não está ahi ! ... -- Foi jantar a casa , como é de seu costume . -- Dize antes que foi por causa da Ludovina . -- Naturalmente , porque bem se diz , que quem tem amores vae vêl-os . -- Queira Deus e mais os seus santos , aventurou com uma reticencia , o mirone . -- Ora essa ! pois o que ha a dizer ao Luiz ? interrogou um dos camponezes . Ainda quererão melhor amparo para a rapariga ? Sim , só se for algum morgado , que é o que lhe estava ao pintar ! Ora não ha ! -- Não é isso , não é isso ! E que parece que com a Ludovina ha mais e menos , dizem as más linguas ... -- Como a tua . -- Como a minha , não senhores , que eu só digo o que vejo e o que ouço . -- Mas que vês e ouves tu ? -- Ahi começam vocês a puxarem-me pela lingua , e depois dizem que é má ... Nunca ouviram rosnar , que um senhor lá da cidade , que apparece às vezes cá pela freguezia , arrasta a aza á filha do tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço ? -- Eu por mim nunca ouvi semilhante aleive , disse um . -- Nem eu , ajuntou outro . -- E muito menos eu , confirmou um terceiro . -- Pois bato-lhes fé , que isto é tão verdade como amanhã ser domingo . Assim cego seja eu . E eu que o digo , é porque tenho as minhas razões ... Ora , como o fidalgo , por certo , não casará com a rapariga , está bem de ver o que pretenderá d' ella ... Demais julgavam talvez a do Paraizo para ahi alguma santinha ? Isso sim : só se for de pau de larangeira ... E , gargalhando alvarmente , retirou-se muito ancho por haver lançado aquella bixinha de rabiar , como o maldizente denominava as suas insidias . -- Não tem emenda nenhuma o Tesoura ! objectou um dos camponezes com assentimento dos companheiros . O que insinuara aquella infamante suspeita de uns amores impuros do fidalgo e da Ludovina era um rapazola , cuja única occupação consistia em comer , beber , e abocanhar a reputação de toda a gente . Na aldeia conheciam-n* ' o pela alcunha -- o Tesoura . Quando elle fallava os circumstantes exclamavam : -- Lá começa a tesourar ! Com effeito José , -- é o nome recebido na pia baptismal -- era uma verdadeira tesoura de alfaiate : cortava , indistinctamente , sem dó nem consciência nas vidas de todo o fiel christâo , como se fora em macio panno . Na bocca d' este moderno Pasquino de carne e osso , não havia homem honrado , nem mulher honesta ! Alem d' isso tinha a boca inventora . temiam-n* ' o os rapazes ; aborreciam-n* ' o as raparigas . Elles , porque José Tesoura lhes fizera sentir por mais de uma vez a valentia do seu pulso ou a infallibilidade do seu ca . jado . Elias , porque lhes propalava os verdadeiros e os suppostos namoros , com a aggravante de se gabar de ser por todas requestado . Para as raparigas dos campos não ha peior senão masculino . Um verdadeiro Perrabraz da Andaluzia , este José Tesoura ! Desde creancinha que o seu maior prazer era experimentar forças e jogar o pau . Conquistou foros de valentão entre a rapaziada das aldeias em derredor da Candelária . José Tesoura não enganava ninguém : defendia a sua poisada , no dizer da phrase popular . Era alto e apessoado : o cabello cahia-lhe desalinhadamente na testa ; usava o chapéu inclinado para a nuca . Não encarava a gente com firmeza : olhava-nos de soslaio , traiçoeiramente . Tinha por companheiro inseparável nm cajado da sua altura , única arma de que se servia . Quando alguém lhe dirigia ditos picantes , resmoneava : -- Cautellinha , senão lá vae biscouto ! O biscouto era uma cacetada ou um pescoção . E com tal arte jogava o pau que em todos quantos combates entrou , se sahiu victorioso . Ainda não contava doze annos , e já a lista das suas façanhas formava um bom rosário : tinha quebrado a § pernas a muitos cães , matara vários gatos , esmurrara as pituitárias a grande numero de rapazinhos , sem contar os falsos testemunhos attribuidos aos seus companheiros da infância para se salvaguardar a si próprio . Com quanto honestos e bem morigerados , os pães do Tesoura tinham grande quinhão de culpa n ' aquelles feitos turbulentos . José era , como lá pelas aldeias se diz , o " ai Jesus " da casa : tudo quanto insanamente phantasiava aquelle tresloucado cérebro , tudo se permittia , á conta de meninice . Um grande erro . De pequenino se torce o yiminho , consoante o velho rifão . A experiência mostra o inconveniente de se torcer o vime depois de endurecido pelo gear da idade . Na aldeia havia um ancião , cuja idade , nem elle próprio sabia contar . Inqeurido a este respeito , respondia : -- O que sei dizer É que quando entraram aqui os da Terceira , eu não fui obrigado a pegar em armas e a marchar para a acção da Ladeira da Velha , por que havia muito que eu passara da idade . De tão severa moral e firmeza de caracter , como de bondoso coração , este homem era por todos estimado : iam consultal- o , não somente em assumptos agricolas , mas em negócios e pendências domesticas . Tratavamn ' o sempre por tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , nome pelo qual era geralmente conhecido . O tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço estava invalido para todo o trabalho : alquebrara-lhe as forças , tolhera-lhe os membros , o maior inimigo dos velhos -- o rheumatismo gottoso , moléstia que muito tempo o havia prendido em casa , quasi sempre estatelado sobre o leito . Em quanto forças teve para lutar com tão implacável inimigo , mesmo já adoentado , labutava sempre . Enviuvara cedo ; e do matrimonio houvera uma única filha a quem dedicava todos os affectos do seu coração . Dizia elle que era a menina dos seus olhos ; e quando a via junto de si , a prodigalisar-lhe mil carinhos , mil cuidados , a cobril- o de beijos , jnlgava-se um monarcha , por ser pae d' uma filha inveja de todos os pães . Fora o tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço um typo respeitável ; estatura alta , musculoso , a cabeça coberta de lustrosas cans , suissas a rivalisarem com ellas , olhos vivos e penetrantes , um sorriso constantemente a bailar-lhe nos lábios , como signal evidente da paz da consciência e da bondade do coração . Fallava pausadamente como quem costuma meditar no que diz , raras vezes se apaixonava , mas quando isso acontecia era então violento : tempestades que depressa se acalmavam , pois immediatamente vinha em seu auxilio a reflexão : dotára- o também a providencia com juizo prudencial . Quantas penas amarguravam os derradeiros annos d' este venerando patriarcha , ao ver que a sua estremecida filha labutava dia e noite : ora trabalhando por casa de uns e outros , a tasquinhar linho , a respigar trigo , a desfolhar milho ; ora moendo em sua casa o milho , nos moinhos de pedra , de mão , trabalho violentíssimo para braços femininos , porém muito usado nas aldeias açorianas ; ora acarretando á cabeça talhas de agua ; ora indo buscar molhos de lenha ao mato ! Isto era muito para um extremoso coração de pae ; era pouco para a dedicação de uma boa filha . E comtudo Ludovina andava constantemente alegre como um dia de estio , cantando sempre como a avesinha que tem por património todo o espaço , todas as arvores para poisar , o sustento por toda a parte , e a festa da creação por sua própria festa . Tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço consolava-se com esta alegria , e dizia nas suas cogitações , lá de si para si : -- " ao menos vive alegre ; não tem abrolhos a ensanguentar-lhe os pés no caminho da vida " . Cerca de vinte e dois annos contava o arrimo do bom velho tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço . E a essa flor , brotada entre os vergéis da humanidade , por uma coincidência euphonica , puzeram-lhe o nome de Ludovina . Uma como luz divina , com effeito , se diífandia de seus esplendidos olhares ! Não era formosa , destas formosuras deslumbrantes , de formas irreprehensiveis que podem servir de modelo a uma Vénus de Murilo , ou de inspiração a uma virgem de Raphael ; todavia , era essencialmente sympathica , e a sua phisionomia , o verdadeiro espelho da sua alma cândida . Tinha os olhos azues , de um azul celeste e limpido , rasgados , longas pestanas , delgadas sobrancelhas que pareciam desenhadas a pincel : castanhos e sedosos os cabellos levemente ondeantes ; a tez fina e branca refractária á ardentia dos raios solares , que não evitava ; lábios delgados e róseos ; faces carminadas ; nariz que um pintor chamaria romano ; um collo bem delineado ; mãos que ninguém diria estarem affeitas aos rudes trabalhos dos campos ; talhe esbelto , sorrindo ingenuamente para todos ; grave , modesta ; Ludovina era , em fim , o typo fino da camponeza . Os mancebos da localidade não se descuidavam em requestai a ; mas Ludovina era borboleta esquiva , diziam elles : levantava o vôo ao menor aceno d' aquelles Tytiros . Orphanada de mãe aos dez annos , vivera sempre recatada , com seu velho pae . Nenhuma outra rapariga possuia melhores créditos ; nenhuma era mais estimada . Tinha muita gravidade nos ademanes , sem descambar para acanhamento , ou para o artificio . Fallava aííavelmente com todos . Ludovina era , por tantos motivos , citada como exemplo , apontada como espelho em que sè deviam mirar donzellas . Que ambiente de virtudes , de serena paz , de ternuras , era aquelle albergue , onde dois entes , um no começo da romaria da existência , outro no termo da peregrinação mundana , viviam um para o outro como a hera viçosa entrelaçada em vetusto roble ! Corria o mez de outubro , epocha em que nos campos da ilha de S. Miguel se está em plena colheita dos milhaes . O tempo já excellente , risonhos e soalheiros os dias , as noites serenas e de luar , a atmosphera tépida e as brisas acariciadoras . A maior parte dos leitores não têem visto , por certo , uma esgalha de milho . Vou , pois , fazel- os assistir a uma das mais interessantes d' essas bucólicas scenas , passada na eira que defrontava com a casa de um dos mais abastados lavradores do sitio . A eira , como supponho que ellas são em toda a parte , era circular , servindo-lhe de anteparo , em de redor , um peitoril de pedra solta . A um lado ficava a casa de habitação do lavrador . A direita d' esta via-se um monte de maçarocas de milho ainda com a sua folha , sobre o qual estavam assentadas varias pessoas de ambos os sexos , em diversas posições , umas no cimo outras a meio , outras no sopé ; e todas occupadas em descamisar as maçarocas . A esquerda amontoava-se a folha , despojos da descamisada , servindo de coxim a algumas mulheres que fabricavam baracinhos de folha para amarrar os manchos na feitura dos quaes se occupavam homens e mulheres , ao centro da eira , sentados no folhedo . Ao fundo erguia-se um volumoso monte de milho prompto a ir para a tolda . Giravam no ar , em continuada contradança as maçarocas e os manches . Aquellas são atiradas para os que estão incumbidos de fazer os manchos ; estes são arremessados para o logar da tarefa prompta ; a folha lá vae caminho do seu monte ; os baracinhos caem , em pequeninos feixes , junto dos amarradores . Entre toda esta gente , e sem que o trabalho se interrompa , repetem-se os ditos com menor ou maior intenção maliciosa ; trocam-se allusões , citam-se episódios , contam-se anecdotas , narram-se contos , e as gargalhadas , as palmas e os bravos succedém- se a cada dito , a cada anecdota , a cada conto . Um serão assim , é uma noite de completa alegria . O realce , porém , d' estas scenas está nos cantares , porque são elles talvez o seu principal accessorio . Cantigas de amor , já se vê . Ahi por essas aldeias , por esses campos , reinos de singela alegria e , sincera felicidade , é n ' aquelles descantes , que , por via de regra , fazem as suas declarações os namorados . Não ha atavios , não ha adornos de phrases , não ha expressões alambicadas . Nas cidades e nas salas , para em tudo reinar o artificio , até o coração , o próprio coração se envasa na dialecta estudada , namimica de convenção ! Pelo contrario , onde a natureza é soberana do bom gosto , só ha franqueza , só ha expansões d' alma por tudo quanto nos rodeia ! Ama-se uma mulher ? os lábios dizem-lh ' o francamente ; abre-se-lhe o coração onde ella , como em livro aberto , lê : -- sou amada . A confissão é espontânea como expontâneo é o sentimento que a inspira . O amor ó somente amor . Recostados no monte dos manchos já promptos , dois mancebos tocavam , viola e rebeca , acompanhando os rapazes e as raparigas que ao desafio cantavam , alternadamente . N ' esta esgalha , por ser em caza de um dos mais estimados lavradores , estava a lior da mocidade , do sitio , quer de um quer de outro sexo . Ludovina também ali se achava . Depois de dar a ceia ao enfermo pae , obteve licença para também ir áquelle serão em companhia da tia||_Anninhas Anninhas|_Anninhas , sua visinha e casada com um seu tio . Ia o serão em noite velha , e a tareta quasi concluída , quando um dos circumstantes se lembrou de exclamar : -- Então como é isto ? o nosso improvisador está hoje mudo como uma pedra ? -- É verdade ! é verdade ! repetiram algumas vozes . -- Ainda não deu um ar da sua graça ! interveiu outro dos da sociedade . -- Estava á espera que saisse a lua lá por cima do Monte Gordo , accrescentou uma das raparigas . Effectivamente a lua assomara nos cabeços das montanhas e os seus raios outoniços resvallando pela encosta da serra , allumiavam aquellas collinas , e batiam de chapa nos rostos de quantas pessoas estavam na eira . O mancebo a quem foram dirigidas as amabilidades respondeu : -- Sim , senhores , esperava pela lua . Hoje não estou de veia para o desafio . Como dizem que a lua ó a confidente dos amantes , vamos a ver se alguma das ingratas que para ahi estão se resolve a confessar-lhe que de mim se compadece ... -- Muito bem dito , Luiz , muito bem dito , obtemperou um dos rapazes . -- Compaixão ? quem dera ! estamos mesmo a morrer por vocês ! volveu uma rapariga mais falladora . -- Olhem os coitadinhos ! estão mortinhos de penas do coração ! accudiu outra . -- Ah ! ah ! ah ! corresponderam gargalhando em coro as filhas d' Eva alli presentes . -- Riem-se ? tornou o interlocutor . Tanto melhor , raparigas . Mas sempre lhes quero dizer que bem verdade é ter eu este pobre coração em brasa , sem que alguma das meninas se atreva a deitar-lhe a agua fria do bem querer ! Pois não merece compaixão ? Novas gargalhadas , novas exclamações , estalaram de entre os circumstantes . Fallára assim o improvisador , por que achando-se na flor da vida sentia a necessidade de ligar a existência a alguma alma que entendesse a sua , e , todavia , não lhe deparara ainda a sorte uma mulher que se lhe dedicasse , ou , pelo menos , nenhuma se lhe revelara . Na mocidade , o coração sem amor ó como a lâmpada a trasbordar de óleo , mas apagada . Tinha elle foros de primeiro improvisador da aldeia e suas cercanias . Conforme declarara , não estava aquella noite com boca para desafios . Lá tinha as suas razões . Os descantes d' este género , teem por via de regra , assumptos obrigados , e o cantador precisava de cantar ad lihitum , como se diz em thechnologia lyrica , para poder levar agua ao seu moinho ; precisava de não perder tão azada occasião . -- Então , cantas d' ahi , ó palrador ? perguntou o senhor||_Josésinho Josésinho|_Josésinho , ao ver que havia mais parola que cantigas . O improvisador começou : -- Bravo ! bravo ! viva o nosso cantador ! exclamaram os ouvintes batendo as palmas . Este systema de acompanhar com palmas as expansões de alegria é muito da usança da gente rústica . -- Ora ! vá , deixem cantar . -- Leva rumor ! O improvisador proseguiu : Novos applausos e novos commentarios . Começaram então os interrogatórios . -- Quem é que tem olhos azues ? -- Menina dos olhos azues appareça . Uma dizia com magua : -- Não sou eu . Outra respondeu com zanga : -- Nem eu ! Uma , porém , gritou : -- É a Ludovina . -- É verdade ! A Ludovina tem os olhos azues . -- A filha do tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço ? -- Essa mesma . -- Veja lá quem havia de apanhar esta noite cantigas d' aquella laia ! E não soube responder ! Estava-se n ' este dize tu direi eu inoffensivo , quando o dono da casa appareceu na eira dizendo : -- Olá rapaziada , basta por hoje de tarefa . Amanhã também é dia , ou antes também é noite . Para favor é bastante . Este favor referia-se ao que convém aqui mencionar . É costume coadjuvarem-se reciprocamente os amigos e os visinhos n ' estes trabalhos , e por isso são sempre gratuitos . Amor com amor se paga . -- Vamos , meus amigos , toca a fazer lugar , que ahi vem a panella do milho cosido , acrescentou o lavrador . Fizeram todos roda á panella , e comeram á farta . Houve o indispensável tiroteio de grãos de milho , que dava margem a episódios e a ditos mais ou menos picantes . Concluida esta frugalissima refeição , o lavrador ordenou : -- Agora façam campo para se armar uma rodinha . Hoje é sabbado , e eu não desejo que vocemecês se retirem sem uma folga . -- Viva o sr.||_Josésinho Josésinho|_Josésinho ! conclamaram todos . -- Pois sim , rapaziada ; mas poucas demoras . O gallo já cantou ha muito tempo . Vá , vá ; e vocês , ó da viola e da rebeca , saltem-me cá para o terreiro . Assim , assim . Então que é lá isso , raparigas ? vocês fazem-se de manto de seda ? Safa d' ahi ... Ora bem ; está tudo prompto . Durou o charamha em que se cantou muito ao desafio , cerca de uma hora ; depois do qual cada familia foi caminho de sua casa . N ' esta noite é que Ludovina se desenganou que era o alvo a que miravam as setas do travesso Cupido occulto no coração do improvisador . Fallando a sós com a sua memoria , recordou-se de certos encontros que tivera com o improvisador , da distincção com que elle a saudava , dos seus sorrisos , e olhares ; e no fim de todo este exame de consciência , não poude deixar de concluir , que elle a amava . Sentia-se um tanto lisonjeada com o que lhe succedêra n ' aquella noite , não por vaidade , que era senão que ella não tinha , mas para comprazimento do próprio coração . Nem por isso se enfeitou com as galas da presumpção , tão peculiares nas coquettes das cidades , quando triumphantes das suas companheiras ou rivaes vêem queimar pelos seus admiradores o vil incenso da lisonja ante o altar do seu amor próprio satisfeito . Ludovina não deixou de dormir tranquillamente ; dormiu o somno do anjo velado pela virgem da candura , que é o Sinay dos corações innocentes . Teve sonhos encantadores , mas mysteriosos , e tanto que os não saberia revelar a ninguém . Conhece-se por ventura o paraizo ? Sabe-se que deve ser bello : mais nada . O nosso improvisador chamava-se Luiz : Luiz da Josepha , o tratavam na aldeia , por ser este o nome de sua mãe , uma excellente mulher que fora ama de leite da filha de um fidalgo da cidade . Luiz contava cerca de vinte cinco annos . Tinha uma physionomia aberta , alegre , attrahente ; olhos vivos e brilhantes ; estatura regular e elegante ; musculoso sem ser nutrido ; tempera rija e animo varonil e decidido para as luctas da vida . Era um excellente moço ; amante do trabalho , filho obediente , extremoso . Não se lhe conhecia vicios ; não arranchava aos dislates dos rapazes estouvados . Cantava muito bem ao desafio ; e folguedo ou festa sem elle , era como a casa sem candeia , asseveravam as bailadeiras . Os seus bons créditos tornavam-n* ' o a tentação das raparigas , que se não esquivavam de borboletar em deredor daquela luz . Luiz era , no dizer d' ellas , pano de lavar e durar . O rapaz conhecia tudo isto , mas ainda assim não abusava . Com todas brincava e ria ; a todas , porém , respeitava . Passava por entre ellas como por entre as boninas dos prados . Desde mui creancinha a Ludovina merecia-lhe gabos de belleza e de bondade . Assistira ao desabrochar d' aquella flor embryonaria ; vira Ludovina tornar-se mulher com as elegantes curvas e contornos do seu gentil corpinho ; habituara-se a contemplal- a em secreto . Assim brotou no seu seio a sympathia pela filha do tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço ; assim , pouco a pouco , com o decorrer do tempo se lhe ateou o fogo do amor . N ' aquella noite não pôde dominar-se , que nos seus cantares não rompesse com as reservas ; e destechou com a declaração que vimos , contra a menina dos olhos azues . Ao deitar-se , Luiz não pôde dormir . Tinha escandecida a mente ; estava profundamente apaixonado . -- Quem sabe se commetti uma imprudência ? perguntava elle a si mesmo . Vá lá a gente conter o coração ! A conclusão era lógica : o coração é déspota indomável . Durante algumas semanas subsequentes , Luiz e Ludovina encontraram-se , fallaram-se , sem comtudo pronunciarem uma única palavra reveladora dos seus íntimos sentimentos . E Ludovina , corresponderia ao amor de Luiz ? Timida e recatada como era , a filha do tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço não o manifestava , mas sentia , desde muito tempo , que o amava . O amor , afinal , tornára- se reciproco . Não o revelavam lábios , mas nos olhares o bebiam , como a abelha haure o mel no cálice das flores , n ' uma doce embriaguez . Sim , o amor também embriaga . Rousseau , bom sabedor d' estes segredos , dizia que um ente profundamente enamorado bebia na taça dos sonhadores a ambrósia dos vergéis do éden , volúpia quásubstituia a razão pelos anhelos sensitivos do coração . Um dia , occasionalmente , Ludovina encontrara-se com Luiz na fonte . As fontes nas aldeias são os sitios mais azados para idyllios . Luiz , que nunca ousara fallar do seu amor a Ludovina , vendo-se a sós com ella , fez um supremo esforço , e com toda a singeleza caracteristica d' aquella gente , acanhadamente lhe disse : -- Ludovina , ha muito que tenho desejos de fazer-lhe uma confissão ... -- Quem lh'a vedava ? -- O meu acanhamento ... Com effeito , Luiz , tão destemido , tão corajoso , sentia-se timido diante de Ludovina ! -- Um homem acanhado ! retorquiu a rapariga . -- E que receiava que se zangasse commigo ... -- Zangar-me ! pois tão feia é essa confissão ? -- Depende da maneira em que fôr tomada pela menina . do que pôde desde já ter a certeza ó que a minha felicidade ou desventura estão dependentes do que vou dizer-lhe . -- Se for a sua felicidade , sr.||_Luiz Luiz|_Luiz , prometto não me zangar , tornou a donzella com seductora voz : e conchegou a sua talha para a bica da fonte , cuja agua descia por entre os dois amantes , como uma fita de prata para cingir aquellas duas almas . Luiz então aventurou : -- Ha quanto tempo eu a amo , Ludovina ! E este sentimento não o posso por mais tempo occultar : escalda-me o peito . A minha única felicidade consiste em ligar o meu ao seu destino . Diga-me , quer ser minha mulher ? Ludovina baixou as suas lindas pálpebras , ruborisou-se e emmudeceu . Luiz comprimiu o peito que lhe arfava n ' um violento anceio , esperando receber a vida ou a morte daqueles adorados lábios , e proseguiu : -- Não dizia eu que se havia de zangar ? -- Bem vê que não me zanguei , respondeu ella com voz docemente tremula . -- Então porque me não responde ? -- Parecia-me que já devia ter conhecido que me não era estranho nem indiíFerente o seu affecto ; e que se eu o não repelli , como a tantos outros fiz , foi por julgar sinceras as suas intenções . Bem sabe que não costumo fazer de um objecto tão grave e tão sério um simples passatempo . -- Oh ! Ludovina , quanto me torna feliz ! prorompeu Luiz numa explosão de júbilos capaz de enlouquecer muitas virgens fracas . -- Perdõe-me se o duvidei um só momento . Sou feliz ; bem feliz que sou agora . Ludovina , consente que vá pedir a sua mão , dentro de alguns dias , a seu pae ? -- Acho que é esse o primeiro passo que tem a dar . Amo-o , Luiz ; mas também amo muito e muito meu velho pae . me-que elle se oppozesse ao nosso casamento ; porque eu de certo não iria contra a sua vontade ; nunca desobedeceria a quem está á borda da sepultura . -- Mas se o tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço não quizer o casamento faz a sua desgraça ; bem sabe que não tem mais ninguém no mundo ... continuou Luiz com visiveis signaes de receio . -- Desgraçada ? isso o quereria elle , o meu querido pae ! Não se arreceie , Luiz . Se meu pae souber que d' este casamento depende a minha ventura , será elle , pobresinho , o primeiro a abençoar-nos . Tranquillisou-se o apaixonado improvisador . E quem não seria improvisador apaixonado tendo uma musa como Ludovina ? Feliz , enleiado , com o coração palpitante , Luiz teve tentações de dar um beijo n ' aquella tentadora creatura . E , fallando verdade , qUe impureza , que desacato á pudicícia encerra um puro beijo ? Tudo está na intenção . Um beijo pode ser a esponja molhada no fel que deram ao Christo , e pôde ser um favo do mel colhido no Hymetto . Se o beijo é dado por lábios que são o rebordo de uma taça cheia nos tremedaes do vicio e da prevaricação , esse beijo corrompe , envenena , mata . Se , pelo contrario , o beijo é deposto por uns lábios que ainda não foram hervados pela crápula sensual , lábios puros como o crystal de rocha , meigos como as pétalas da orchydia , então o beijo é o sêllo da pureza e da lealdade dos sentimentos . Ludovina , repentinamente , empallideceu ; o seu corpo flexivel teve um estremecimento , como a vara do álamo saccudida por serena viração . A donzella , ao relancear , por mero acaso , os olhos para uma eminenciasinha sobranceira á fonte , viu apparecer uma cabeça de homem entre a folhagem de uma espessa touca de louro e tamujeiro . Era José Tesoura , que ali , n ' aquella espécie de guarita da maldade , ouvira todo o dialogo , colhendo mais assumptos para pasto da sua lingua . O tremor e a mudança de cor não passaram desapercebidos de Luiz , que se apressou em perguntar . -- Que tem Ludovina ? -- Nada ; não é nada ; talvez esfriagem do tempo . Não vê como os céos se cobrem de nuvens escuras ? Vou-me embora . E pôz a sua talha á cabeça . Trocaram ainda algumas palavras , despediram-se , disseram um afifectuoso adeus n ' um derreiro olhar ; e a donzella tomou caminho de sua casa . Luiz , cujo pote também se acabara de encher , preparava-se para se retirar , quando viu saltar do raato para a estrada José Tesoura , sorrindo ; e também por seu turno estremeceu como se o tocara corrente eléctrica ; lembrou-se que Ludovina demudara repentinamente a phisionomia , e a causa não podia ser outra senão a presença d' aquelle homem . -- Ora viva sr.||_Luiz Luiz|_Luiz , chacoteou o Tesoura . -- Não estavas ali por bòm , José . -- Que te importa se era por bom ou por mau ? -- É que melhor fôra , que em vez de andares espreitando o que os outros fazem , como o milhafre a gallinha descuidosa , te metesses com a tua vida e trabalhasses n ' alguma coisa útil . -- Que tens com a minha vida ? -- Com a tua , nada , decerto ; importa-me tanto como a primeira camisa que eu vesti . Que te metas com a minha isso sim . -- Ora vejam ! todo zangado por que eu o surprehendi a namorar ! namora , homem , á tua vontade , mas deixa cá a gente fazer a sua deligencia ... -- A sua deligencia ! atalhou Luiz . Qual deligencia queres tu dizer ? Porventura atreves-te a cruzar-te no meu caminho , ou a suppôr que Ludovina é d' essas raparigas das dúzias , que por ahi ha ! -- Cala-te bocca ... -- José , ouve bem o que te digo ; não te intrometas commigo e muito menos com a mulher que em breve hei de levar ao altar , senão ... -- Ameaças-me ? -- Que duvida ! julgas que me mettes medo como aos outros poltrões que ahi temos na freguezia ? enganas-te redondamente , t ' o digo eu . Não temo nem o teu pulso nem o teu bordão : sou homem para o que mais homem fôr , se me appareceres de frente . A minima coisa que eu saiba , conta commigo . Fique-te isto bem de memoria , para teu governo . Temos conversado . E Luiz desceu rapidamente a ladeira que conduzia ao povoado , e desappareceu . José Tesoura , que ficara a scismar nas palavras de Luiz , retirou-se pouco depois , dizendo com os seus botões : -- Boa vae ella ! o Luiz toma a coisa a serio , e eu em se me mettendo qualquer asneira na cachimonia , não ha quem me faça mudar . A Canada do Paraizo corta de norte a sul o vortice de uma d' aquellas collinas , de que o leitor já tem conhecimento , e desemboca na estrada principal . Ludovina morava alli na Canada do Paraizo , e por isso tanto ella como a familia eram conhecidas pelas -- do Paraizo . E noite , sem luar ; as estrellas é que levemente despedem um tibio fulgor que fende as trevas , como que ensinando as sinuosidades da estrada aos caminhantes . Um vulto de homem sobe a Canada : vamos-lhe nas pingadas . A janella de uma casita desenhava-se muito a custo , na penumbra , uma figura de mulher . A noite tinha de tal arte cerrado sobre a terra as suas opacas cortinas , que ninguém , que o não esperasse , era capaz de adivinhar alli a presença de uma creatura . Aquelle vulto dirigiu lentamente os passos em direcção á casita ; e , chegado junto d' ella , abeirou-se da janella . -- Luiz ! murmurou a voz da mulher , mas tão suavevemente que pareceu o brando cicio da folhagem . -- Ludovina ! respondeu o vulto que seguimos . O leitor fica sabedor de quem se trata : elles se denunciaram . -- Pensei que já não vinhas ! disse Ludovina . -- Não é muito tarde ainda . -- Tarde é sempre para quem com anciã espera . De mais , os meus receios continuam ... -- Descança , Ludovina ; nada receies , tenho juizo bastante para evitar desordens , prudência necessária para me sair bem d' ellas sem risco . -- Mas dizem , que tu e aquelle maldito Tesoura andam sempre em questões de palavras ; e bem sabes que das palavras ás obras vae um nadinha . -- Não é tanto como dizem , acredita na minha honrada palavra . Elle é que espalha essas tolices . Apenas duas ou três vezes lhe tenho aconselhado a que nos deixe em paz . -- Pelo amor de Deus , Luiz , pelo nosso amor te peço que penses sempre assim . Se souberas como eu soffro por causa d' aquella alma mofina ! Deus me perdoe ! Olha , uma vez que tens confiança em mim , não te importe mais nada . Quem fallar ha de cançar . -- Confiança -- ti ? como a tenho em mim próprio ! Este dialogo foi cortado por uma voz que do interior da casa perguntou : -- Ludovina ? -- Senhor ? respondeu a rapariga . -- Com quem conversas tu ? volveu a mesma voz . -- Com ... com ninguém tartamudeou Ludovina ... -- Então fallas só ? -- Não fallava , meu pae ; resava um pouco alto , contemplando as estrellas que estão tão lindas : o ceu está tão estrellado ! -- Está bom : reza um Padre||_Nosso Nosso|_Nosso e uma Ave Maria por alma de tua boa mãe , que Deus chamou á sua gloria , e também por mim , para que Nosso Senhor acabe cedo este meu martyrio . E tudo caiu novamente em silencio . Aquella voz era a do tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , que jazia no seu leito de dores , de onde mesmo vigiava a sua filha dilecta . Ludovina balbuciou com voz tremente , e em tom quasi imperceptivel : -- Perdoae-me , meu Deus , perdoae-me Virgem||_Santíssima Santíssima|_Santíssima , a mentira que acabo de proferir , e que , parece , me escaldou os beiços ! O mancebo comprehendeu a magua que ia na alma da sua amada , e , desconfiando que ella chorava , para se certificar , foi delicamente com a mão aos olhos de Ludovina , e murmurou : -- Tu choras , meu amor ? -- E que eu não posso mentir como o fiz agora ! Mentir , e mentir a meu pobre pae ! oh ! vergonha ! De repente ella exclamou : Luiz , é necessário que quanto antes venhas pedir a minha mão ! Amo-te muito , mas não quero , não devo estar a illudir meu pae por mais tempo . -- Pois sim : domingo cá venho . Tudo acabará , porque eu poderei entrar francamente em tua casa , em vez de estar aqui como um malfeitor que necessita vigiar-se e esconder-se de todos . Tens rasão . O promettido é devido ; adeus , até domingo . E separaram-se . Já a este tempo as visinhas , e especialmente as novas , matavam o seu pouco de tempo , discursando acerca dos amores da filha do tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço ; e asseveravam , a despeito da inveja que as remordia , que não havia que dizer do casamento , porque se Ludovina era uma rapariga bem reportada e trabalhadora , Luiz era a nata dos mancebos da aldeia ; gosava de boa fama . Ora o que é certo é que um casamento com o beneplácito da visinhança é negocio meio feito . E grande coisa é cair se para bem na bocca do mundo . VI Não faltou Luiz á sua promessa . Mas , coincidência desagradável ! no domingo aprasado , a folhinha , nem mais nem menos , resava de S.||_Judas Judas|_Judas ! Mau presagio ! preliminares de noivado em dia do santo homonymo do falso discípulo ! Luiz entrajou-se com o seu fatinho de ver a Deus ; e , com a gravidade de um senador romano , foi portas a dentro do albergue do tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço . O bom velho andava mais achacado , por causa de irem apertando os frios invernaes ; e tanto , que por grande favor da moléstia , apenas se podia tirar de dentro dos lençoes para sobre a cama : erguer-se de todo é qne não havia licença . Em consequência do quê recebeu a visita de Luiz ali mesmo . O tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , com a sua proverbial affabilidade íicolheu o recem-chegado ; e , depois de permutadas as reciprocas phrases do estylo , perguntou : -- A que devo o gosto de o ver aqui , Luizinho ? -- É grave , muito grave o motivo da minha visita , respondeu Luiz com voz tremula e o rosto annuviado , que sobresaltou o seu interlocutor . -- Grave motivo , diz vocemecê ? -- Sim , senhor . -- Ó homem de Nosso Senhor , falle d' ahi que me assusta , volveu o velho insoffridamente , e como que a querer saltar do leito . -- Isso , não ; caso para sustos é que não é , tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço . Expliquei-me mal , já vejo . É negocio sério , isso sim ; porque é natural que lhe custe ... sim , é natural ! ... sempre é um golpe ... continuou Luiz sem saber como chegar ao fim . Ainda mais assustado ficou o pae de Ludovina ao ouvir fallar em golpe ; e ancioso exclamou : -- Cada vez me assusta mais , Luiz ! Peço-lhe que acabe por uma vez com essas meias palavras . Luiz , como quem vae atirar-se ao mar para mergulhar , conteve a respiração , fez um esforço e proseguiu : -- Tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , quando eu disse que o negocio era grave , não lhe menti , nem eu nunca minto . Parece-me que é negocio grave um casamento ? Pois é do que se trata . Venho pedir-lhe a sua filha para minha esposa . Ao ouvir estas palavras , que estava bem longe de esDerar , o tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço estremeceu ; viu diante dos olhos volitar uns pyrilampos : se estivera de pé , teria oaido ; seccou-se-lhe a bocca , e a custo poude pronunciar : -- A minha filha ? ... Com que então quer arrancar-me d' estes braços já velhos e descarnados a minha querida Ludovina ? e enchugando com as costas da mão o suor que em bagas lhe escorria pela fronte , continuou : Quer privar-me do único ente que me ama , que me é o amparo da existência , a companheira dos meus pezares e alegrias , a estrella que me allumia nas minhas noites de inverno , o sol que me aquece nosgelos da velhice ? ... -- Mas , tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , escute-me por um momento , atalhou Luiz . O velho sem attender , proseguiu : -- Em boa verdade que não levo a mal , nem posso , nem mesmo devo levar , a sua pretensão , Luiz . É natural , muito natural até , que se agradasse da minha filha , que procurasse para sua companheira uma rapariga tão trabalhadora , tão arranjadinha . um verdadeiro thesouro n ' estas eras ; porém , eu , que sou seu pae , hei de perder o meu anjo da guarda ? Hei de ficar n ' este canto , esquecido , sósinho , para morrer á mingoa e ao desamparo ? Ficarei exposto á miséria , como arvore carcomida aos rigores do inverno no meio de um baldio deserto ? Oh ! por certo , que não haverá alma tão sem piedade ! Não ! a minha filha não quererá derribar este despido tronco , que , por mercê de Deus , ainda aqui vegeta ... -- Ora por quem é , tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , interrompeu novamente o mancebo , queira ouvir-me ; depois avaliará como entender o meu procedimento . -- Tem razão , homem , respondeu o attribulado pae , com mais placidez de espirito , e como que caindo do alto da sua injustificável exaltação . É verdade é verdade ; devo primeiramente ouvil- o ... Perdôe- me ; não fui senhor de mim ; mas não é de estranhar que um pobre pae , velho e achacado , sem alentos para nada , se deixe levar de taes excessos , quando o ameaçam na perda da sua própria vida . Falle , falle , Luiz . Ninguém levava a palma ao improvisador no tocante a torneios poéticos ; para scenas d' estas em que se achava como principal personagem , é que não valia nada : a musa abandonava-o ; sentia como que a sumir-se-lhe a lingua pela garganta abaixo ! Mas como o intróito da sua exposição fora mal feito , precisava acoudir a tempo para não perder a partida . Pediu inspiração a Nossa Senhora das Candeias , e começou n ' estes termos : -- Tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , quando me resolvi a entrar a porta d' esta sua pobre mas honrada choupana , não foi minha tenção vir arrancar-lhe dos braços a sua filha a quem tão merecidamente adora , e muito menos deixal- o na penúria e no abandono Não tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , três vezes não ! Sou pobre , o meu património é o meu trabalho ; sou filho de pães pobres também ; mas a honra e a caridade têem sido condão da minha familia , e para mim são como um evangelho . Ha um ditado que diz " antes que cases olha o que fazes " ; pois eu segui-o á risca . Pensei muito n ' este negocio , ao pensar na sua filha para minha mulher , lembrei-me de que ella tinha em casa um pae , cujo amparo e arrimo era : e para logo contei com duas pessoas . Se vocemecê me der a mão de Ludovina , ficará com dois filhos . Teremos as mesmas sopas , dormiremos debaixo do mesmo tecto , seremos em vez de um , dois enfermeiros ... O pae de Ludovina fez um movimento indicativo para fallar ; Luiz impoz-lhe silencio com a mão , e continuou : -- O meu património , como eu já disse , é a minha enxada ; e nem por trabalhar para três pessoas em vez de duas , me correrá mais abudante o suor . O tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço bem sabe que não foi a ambição de haveres que me trouxe á sua presença : a formosura de Ludovina , ou antes a bondade d' aquelle anjo que a Providencia lhe deu por filha , inspirou-me ao principio ama certa sympathia , como a gente sente por as virgens que estão nos altares ; e d' esta sympathia nasceu o amor , a que Ludovina , ao principio indifferente , depois correspondeu . Mas como este amor era puro , tornou-se para mim uma religião tão necessária ao bem da minha alma , como para a vida é a agua que bebo . Agora , tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , depois de eu lhe haver aberto o meu coração , pôde avaliar o meu caracter . Estava mui outro o bom do velho . As explicações de Luiz operaram-lhe no espirito como o rocio da noite nas plantas afogueadas pelas calmas do dia . Luzia-lhe nos olhos a alegria , como brilha no ceu o sol após ama tormenta serenada . Estendeu a convulsa mão para o mancebo , dizendo lhe commovido : -- Dê-me a sua mão , Luiz ; quero apertar na minha a mão do homem verde em annos , porém maduro no pensar . Tinha sempre ouvido fazer-lhe os maiores elogios : vejo que me não enganaram : tem nobres sentimentos . Quero ser seu pae . Luiz por um ápice que esteve a saltar ao pescoço do velho . O coração parecia que no seu palpitar queria sair lhe fora da caixa do peito . Entreviu um futuro venturoso . Depois de apertar a mão que lhe fora estendida , como em signal de que se encerrara o seu contracto matrimonial , murmurou confundido de reconhemento : -- Obrigado , tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , obrigado . Deus lhe recompenserá esta felicidade . -- Que seja feliz , é o meu maior desejo agora , porque assim dará também a felicidade á minha querida filha , que bem a merece , mal me fica a mim dizel- o , mas é a verdade . Resta-me agora fazer-lhe entrega do que me pediu ... mas não serei eu quem a faça : será apropria interessada . E chamou : Ludovina , ó Ludovina , anda cá fora . Accudiu a donzella toda jubilosa ao chamado . Tinha ouvido tudo . Soffrera também as torturas da anciedade e do receio . Quando assomou á porta do quarto , e que os seus olhos trocaram com os de Luiz um amoroso olhar , encarnou-se como as nuvens da aurora ao surgir o astro rei na fímbria do horisonte . -- Com que então occultavas me um segredo ? inqueriu o tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço para a filha . Tu bem devias saber que se d' este casamento dependia a tua felicidade , eu , tão teu amigo e desejando tanto o teu bem , não tinha que oppor- me a elle . Ora pois ; já que assim o queres , vem offerecer ali ao Luiz o que elle me pediu . O improvisador e a menina de olhos cor do céo , confirmaram n ' um tremulo aperto de mãos o affecto que se consagravam . Agora eram um do outro . Agora julgavam se os mais felizes entes deste mundo sublunar . Viam-se todos os dias ; viviam um pela vida do outro , como a arvore vive pela raiz . Adejavam em torno d' elles como um bando de encantadoras mariposas as mais risonhas esperanças ; formavam projectos de existência futura : consultavam a meudo o velho pae , feliz da felicidade d' elles ; mas não se lembravam , ou talvez ignoravam que a desgraça ó a sombra nefasta e perseguidora da humanidade , e que portanto a segue passo a passo . Sim , a felicidade é um no tranquillo e socegado nc qual os corações sobrenadam como cysnes . A desgraça é um grande seixo que lhe está sobrevindo , imminente . Quando o vendaval da sorte allue o seixo , este despenha-se no rio , que se transforma em mar tempestuoso : e os cysnes , se escapam a submergir-se , vão de encontro ás fraguas . Estava-se já no mez de maio do anno seguinte . Uma noite Luiz subiu a Canada do Paraizo e parou defronte de uma pequenina casa colmada . -- Ó lá de dentro ! disse elle em voz alta e vibrante . -- Quem é ? perguntou no interior da choupana uma voz de mulher . -- Está por ahi o tio||_André André|_André ? -- Ainda não chegou da cidade , onde foi vender o carvão , respondeu assomando á porta da rua uma mulher dos seus sessenta annos , corpulenta ainda , de saias curtas , chaile amarrado sobre as costas , cabello todo puchado á substancia para o alto da nuca , e ali atado á laia de estriga de linho . Esta mulher ao ver Luiz , exclamou : -- Ah ! é vocemecê , sr.||_Luizinho Luizinho|_Luizinho ? quero dizer , meu futuro sobrinho ; embora por afinidade seja , não importa , que de todo o modo o estimo já . -- Sou eu em pessoa , tia||_Anninhas Anninhas|_Anninhas . Tenha muito boas noites em companhia de quem mais ama . -- A Virgem||_Nossa_Senhora Nossa|_Nossa_Senhora Senhora|_Nossa_Senhora lhe dê as mesmas . Então o que o traz por aqui , Luizinho ? -- Cousa de pouca monta . Uma pessoa da cidade pediu-me uma carga de carvão : e vae daí queria eu que o tio||_André André|_André m ' a tornecesse . Como vou ser da família não devo dar a ganhar estes vinténs aos estranhos . -- Sempre bom coração ! Pois . que duvida haverá n ' isso ? -- É que eu tinha alguma pressa da encommendasinha . -- Tudo se hade amanhar , com a ajuda de Deus . Vá vocemecê descançado . Quando o meu homem vier o farei sciente do seu recado . O sr. Luisinho será servido primeiro do que ninguém , fique certo . Pudera ! não havia de servil- o ! -- Obrigado , tia||_Anninhas Anninhas|_Anninhas . Até mais ver . -- Psio , ó Luisinho ? -- Chamou , tia||_Anninhas Anninhas|_Anninhas ? perguntou Luiz , que já se ia retirando , e volveu atraz . -- Diga-me cá : então para quando é o casório ? -- Logo que estejam concluidos uns arranjositos necessários , mas custosos para quem de fracos meioa dispõe . -- É que eu estou tecendo uma teasinha para offerecer á Ludovina , e temo que não tenha tempo para a acabar . -- Tem , deixe estar . Boas noites . E Luiz continuou a subir a Canada . Já se vê , ia visitar a noiva . A sr.a||_Anninhas Anninhas|_Anninhas , esposa do tio||_André André|_André , irmão do pae de Ludovina , recolheu-se ao seu lar a concluir a ceia para quando chegasse o marido , que devia trazer bastante larica da viagem ; e foi dizendo para comsigo : " Vae agora ver a namorada . Deus os fade para bem , que o merecem são ambos umas jóias . Isto faz-me lembrar dos meus tempos " . E suspirou . As pessoas que entram no inverno da vida , mormente as do sexo frágil , lembram-se sempre da sua primavera com saudade , quando se lhes deparam scenas de Romeu e Julietta . São como as arvores velhas , já desataviadas de folhagem , se novas arvores são plantadas ao pé d' ellas . As velhas parece que esmorecem e amarellecem mais ao verem a luxuriante seiva das novas a viçarem para o ceu . Corria , como se disse , o mez de maio . Em geral caem neste mez das flores as populares festas do Espirito Santo . Durante esta risonha quadra o povo açoriano entrega-se a uma sequencia de folguedos por o espaço das sete semanas , que medeiam do domingo de Paschoa ao domingo da Trindade . As alegrias do povo têem uma completa expansão . É a sua festa predilecta . Leva todo um anno a fazer economias nos seus parcos haveres , para cada qual nas suas domingas reunir a familia e dar lhe pelo menos gallinha , carne de vacca e uns cangirões de vinho , coisas que durante todos os mais dias se não vêem em sua casa . Até a indigência tem mais farto quinhão no banquete da caridade . Innumeras e abundantes são as esmolas que em louvor da divindade se repartem em bodo aos pobres . Alliam-se assim os júbilos do povo com a abastança momentânea dos indigentes . Nas aldeias differe um pouco o modo de celebrar estas festividades Formam-se umas espécies de irmandades , com seu mordomo , que é o encarregado de receber durante o anno os cereaes que os irmãos vào pagando , e de manter nas pastagens os bezerros para se criarem : ha também uma pequena quotisação monetária . No tempo próprio o mordomo manda reduzir todo o trigo a pãOj todas as rezes a carne , e algum dinheiro a vinho . O dia da festa é sempre em domingo , um dos sete citados -- Na antevéspera arma-se e enfeita-se uma casa , com o pão em medas , com a carne cortada em porções eguaes , dois ou três kilos , posta em pratos ; com o vinho encanteirado . O pão é todo matisado de flores . Em uma espécie de altar ostenta-se a bandeira do Espirito Santo , pendente da respectiva haste , no meio de vasos de flores e luzes . A noite vem o cura da freguezia ; e , ao som de um Te-Deum entoado a cantochão , procede á benção do pão , da carne e do vinho . A esta casa chama-se -- despensa : a cada quinhão de carne dois pães e uma jarra de vinho -- pensão . Na véspera , sabbado , vários lavradores mandam para a porta da despensa carros de bois , todos entaiados com flores e fitas , bois e carros . Um dos carros recebe o pão , outro a carne , outro o vinho . D ' ali seguem a levar pelas portas dos irmãos as respectivas pensões , ao som da guisalhada dos carros , dos toques de viola , rebeca e pandeiro , dos vivas do rapazio e do estourar das bombas dos foguetes e de tiros de espingarda . Na noite d' esse dia , varias casas dão o seu charamba , e a casa depositaria da coroa do Espirito Santo , allumia , mais ou menos esplendidamente , o sagrado emblema ; erigido em um altar , em forma de escada , cujos degraus são ornados de vasos de flores e luzes . No domingo é a coroação . A ' creança que tem de ir coroar á igreja , dão lhe o nome de imperador , se é da sexo masculino , e ds imperatriz se é do sexo feminino . A sorte tirada de um para outro anno , é que indica a creança que tem de exercer estas funcções ; e em casa da qual fica depositada a coroa e a bandeira . A coroa tem exactamente o feitio das que ornam a cabeça das imagens das santas virgens . A creança vae para a egreja , processionalmente acompanhada de outras creanças , todas vestidas de branco , o que é do estylo ; fazem-lhe séquito homens , e , n ' algumas partes , também mulheres , com cirios em punho . Abre a procissão a folia . Denominam-se assim quatro homens entrajados de capas de chita , espécie de opas , geralmente muito enramalhetadas e da que se usa para cobertas de camas , levando nas cabeças uns barretes similhantes ás mitras dos bispos , mas cobertas da mesma chita . Um dos homens toca viola de cordas de arame , outro toca rebeca , outro toca pandeireta , e o quarto que vae no meio , conduz , fluctuando , uma bandeira de seda encarnada , tendo ao centro , bordada a branco , uma pombinha . No tope da haste da bandeira ha outra pomba esculpturada em madeira , dos pés da qual pendem fitas de varias cores . A creança ( imperador ) leva na cabeça a coroa e na mão o sceptro ; e na volta da egreja abençoa com o sceptro as pessoas por quem passa . Adiante , outra creança conduz uma bandeira em tudo igual áquella , e que é a que figura na despensa e na igreja . Durante o trajecto , cujas ruas se enfeitam com arcos de verdura , de flores e de fitas , e o chão se atapeta de folhagem e de flores desfolhadas , sobem ao ar muitos foguetes , e o rapazio solta phreneticos vivas . Na igreja , n ' algumas partes , ha missa cantada a instrumental , e com sermão ; n ' outras partes ha apenas missa rezada . A qualquer dos actos religiosos assistem as creanças , assentadas em logar próprio , junto ao altar-mór . Quando o sacerdote celebrante consagra a hóstia e o cálix , cinge a fronte da imperatriz com a coroa , que fora deposta sobre o altar , profere palavras sacramentaes , que nos não recordam agora , e com o thurybulo faz-lhe varias oblações . Findo o santo sacrifício da missa o préstito dirige-se ao império . Império se chama a uma espécie de coreto ds madeira , portátil , que se arma em plena estrada , ou de pedra e cal , e por conseguinte fixo . Ali estão durante o resto do dia , as creanças , assentadas em derredor de uma meza , sobre a qual se deposita a coroa entre flores e cirios . A folia fica então encarregada de ir acompanhar a casa do cura , do regedor , do juiz de paz , das pessoas mais qualificadas , as flórea do Espirito Santo , que são umas offertas constantes de carne , pão , vinho , argolas e pães de ló , offertas que são agradecidas com dinheiro . do que se passa de tarde , e que é o complementa da festa , diremos n ' outro capitulo . Chegára-se á Trindade . A mordomia d' esta festa cahira em sorte ao sr.||_Victorino_Feteira Victorino|_Victorino_Feteira Feteira|_Victorino_Feteira , lavrador dos mais abastados , e que timbrara em que ella fosse de truz . Na forma do estylo dava o seu charambaua véspera , para o qual convidara todos os seus visinhos amigos , não se esquecendo de Ludovina e do seu noivo . Desde que seu pae enfermara , Ludovina esquivava-se sempre aos folguedos . D ' esta vez , porém , o tio||_Lourenço Lourenço|_Lourenço , chamando por ella , disse-lhe : -- A minha filha hoje não deve faltar . O Feteira veiu convidal-a ; e eu sou muito obrigado a este amigo velho , amigo como já os não ha por ahi , homem honrado ás direitas . Vaes com tua tia||_Anninhas Anninhas|_Anninhas , sim , minha filha , precisas distrahir-te das tuas grandes canceiras ; e por te distraíres nem por isso se me aggravam os males . A boa da rapariga limitou-se a responder : -- Vou para lhe obedecer , que não por própria vontade . A casa do mordomo era adjacente da egreja . Entremos n ' ella . Um dos quartos fora destinado para repositório do sagrado emblema da invocação da Divindade festejada , a coroa , a qual se achava no cimo de um elevado tlirono ou altar , todo ornamentado : fitas , flores , luzes , havia em profusão . As paredes do quarto estavam forradas de colchas de damasco carmezim . N ' este quarto conversavam algumas mães e tias , que faziam lembrar os figos esquecidos na figueira ; e três ou quatro ginjas relembravam successos dos seus tempos da mocidade , todos os annos fielmente narrados a differente ou talvez ao mesmo auditório . Os rapazes e as raparigas , que ao principio da noite também ali estiveram fazendo companhia ao Espirito Santo , haviam passado a um outro quarto , onde uns parolavam e outros bailavam e cantavam . Como a casa fosse ao rez do chão , e as janellas estivessem abertas para que hoUvesse ventilação , e para que podesse ver a folga quem não fora convidado , ou por acaso passasse , segundo a velha usança , debruçavam-se e apinhavam-se a essas janellas muitos outros rapazes , que d' ali assistiam ao folguedo , fazendo cada qual os seus commentarios mais ou menos sarcásticos , para os convivas . A noite adiantára- se . O dono da casa fez interromper o folguedo para offerecer uma refeição constante de especiones , pão de ló , argola e vinho da terra , que n ' aquella epocha havia á farta , e á farta se bebia . Concluída esta refeição , que nas nossas aldeias e n ' estas festas substitue o cha das salas , recomeçou o baile e com mais enthusiasmo ainda , porque o vinho , no dizer das sagradas letras , alegra , o coração do homem ( e o da mulher ? ) Uma das bailadeiras exclamou : -- Lá chegou aquella ave de mau agouro ! Todos olharam para a janella que tinha sido objectivo dos olhos da rapariga . Encararam com a quisilenta verónica do José Tesoura , que se entremettera com os espectadores externos . -- Quem é ? inquiriram algumas raparigas que estavam sentadas no lado opposto , e que por isso não viam a janella . -- Ora quem ha de ser ? O José Tesoura . -- T ' arrenego ! José Tesoura para não perder o costume de tesourar , disse aos companheiros : -- Aposto que vocês ainda não repararam na Ludovinar Está assim a modo que sem côr ... Faz-me lembrar o melão que alforrou ... -- Cala-te d' ahi , ó José ; bem vês que não estás em tua casa ! atalhou um dos da janelia . -- Eu estou mas é na rua , e a rua é do concelho ! José e os mirones callaram-se para ouvir cantar uma das bailadeiras encartadas no officio . A senhora||_Anninhas Anninhas|_Anninhas estava no quarto da coroa , também , e conversava com a rubicunda esposa do mordomo , a qual esposa lhe perguntou : -- Então quando casa a sobrinha do seu homem ? -- Ó filha , eu não n ' o sei bem ao certo . Pelos modos como que ainda terá sua demorazita . O rapaz não quer casar sem que todos os arranjosinhos estejam promptos . Leva de systema em não querer pedir dinheiro emprestado para isso ; e como apenas possue as economias do seu labutar , espera pela venda das favas e do trigo . -- Bem pensado , sr.||_Anninhas Anninhas|_Anninhas , muito bem pensado , volveu a interlocutora . Sempre ouvi dizer que isto de dinheiros a juro arruina muita gente boa . A usura é grande por ahi . É uma dor d' alma ver como aproveitam as necessidades do pobre ! Não ha nada como cada um ser mercador somente com os seus próprios teres , poucos ou muitos . O rapaz tem tino , isso lá tem . Foi feliz a Ludovina na escolha , vá dito sem inveja . Ainda bem . Olhe , vocemecê , outro tanto nãO ' aconteceu á minha Maricas , que deu , como se costuma dizer , com as ventas n ' um sedeiro . O marido o que quer é andar sempre em charambas e em comes e bebes com os amigos . Em elles dando n ' isto estào perdidos ; não cuidam do arranjo da casa nem do trabalho das terrinhas , que ficam ao Deus dará . Isto do casamento ó como uma sorte que se tira n ' uma rifa . O premio poucos o alcançam . -- É como diz , senhora||_Mariinhas Mariinhas|_Mariinhas . Hoje em dia como tudo vae , sem temor a Deus nem dos pães , é um grande risco casar se a gente . Não haja homens como os do nosso tempo . O meu André leva sempre a dizer que emquanto não voltar aos reinos o senhor||_D._Miguel D.|_D._Miguel Miguel|_D._Miguel , as cousas não levam volta , porque só elle ó capaz de acabar com a praga dos maçarocos , que são a causa de tantos desatinos e tanta falta de religião ... Volvamos ao quarto onde se baila . Não faltava a estas folgas o tio||_André André|_André . Os annos não lhe haviam envelhecido o espirito . Teria os seus sessenta janeiros bem puchados ; mas ninguém lhe dava mais de cincoenta . Possuia ainda umas pernas rijas como ferro , e um pulso digno de Porthos . Ia á cidade quasi todos os dias , a pé , porque o seu burrinho conduzia o carvão para vender , e no regresso arranjava sempre frete de retorno . No seu tempo fora bom jogador de pau . mais de uma cabeça podia servir de corpo de delicto a esta pericia . Não recuava deante de quem quer que fosse , mesmo ainda hoje , já velhote . Bom homem era elle ; mas ninguém havia de mofar da sua pessoa ou de pessoa que lhe pertencesse . Era de natural pendor mui jovial para com todos . Gostaja de gracejar especialmente com as raparigas ; sabia , porém , guardar as conveniências . E o caso é que as raparigas tinham particular predilecção pelo bom do tio||_André André|_André . Não se admirará , pois , o leitor , se encontrar o velhote entre a gente moça . Tinha já bailado o seu pouco ; e agora tomava fresco , encostado no vão da janella , o que lhe deu occasião de ouvir as facécias dos mirones , as quaes o aborreciam de má maneira . José Tesoura voltara á carga , como se diz no estylo bellico . Fallava assim : -- Grande santarrona leva o Luiz ! Olhem para aquelle ar piedoso ! -- Não te calarás ? murmurou um dos companheiros . -- Não sejas tolo ; a lingua á muito minha . -- Mas está ali o tio d' ella ... -- Da lingua ? -- Ora ! da Ludovina ? -- Tens medo ? Quem tem medo compra um cão . O fidalgo é que soube o nome aos bois ... O tio||_André André|_André fitou o seu olhar expressivo em José Tesoura ; abeirou-se mais do peitoril da janella , e redarguiu : -- Modera as tuas palavras , José . Olha que pela bocca morre o peixe . -- E pelo gargalo a gallinha . -- Zombas de tudo . Uma vez pode sair-te o anno bixesto ; e has-de arrepender-te ... -- Dos arrependidos é o reino dos ceos . -- Tu sabes perfeitamente que a Ludovina é minha sobrinha ; e que o não fosse , eu por mim não posso vêr desabonar ninguém , quanto mais uma pobre rapariga que tem o pae entrevado , e que por isso não pode ensinar os atrevidos ... -- Atrevido , eu ! Tio||_André André|_André , tio||_André André|_André ! atalhou o Tesoura fulo de raiva ao vêr-se ameaçado por um velho . Alguns dos companheiros tiveram o bom senso de o querer levar d' ali ; elle porém oppoz- se dizendo : -- Não me vou , que não quero ; não vou . Vocês são todos uns poltrões ! Pois nós havemos de ir d' aqui sem bailar ? para que vim eu cá ? -- Mas não te abrem a porta , obtemperou um dos da sucia . -- Eu a farei abrir , volveu José Tesoura . N ' esta occasião cantava Luiz . Quando elle acabou , José soltou a voz assim : Nasce a rosa na terra , Nasce o amor no coração , E já rosa desfolhada A que julgas em botão . N ' estes torneios cantantes é crime de lesa-usança a presença de campeões intrusos . Por isso ao ouvir a cantiga de José Tesoura , para logo parou o tocador da viola , e de conseguinte cessou o baile . A assembléa chocou-se de inquietação . Ninguém ignorava que taes occorrencias traziam sempre um cortejo de consequências desagradáveis e por vezes fataes . Luiz , que percebera a allegoria da cantiga do Tesoura , empalideceu ; e , com voz trémula de raiva , trovejou : -- Se não fosse a consideração de que estou na casa alheia , eu saberia responder-te como mereces , grandíssimo tratante ! Fica , porém , para melhor occasião , prometto-te . Não as perdes , deixa estar ; bem me entendes . -- Se não foras um joltrão já tinhas saltado cá para fóra : aqui é que se conhecem os homens , que não ahi entre as mulheres . -- Deixem , deixem me ir dar uma lição n ' aquelle patife , redargiu Luiz fora de si , tentando desembaraçar-se de algumas pessoas que o detinham . Ludovina , enlaçando-se ao braço do noivo , supplicou-lhe : -- Não vás , não saias . Sou eu que t ' o peço . Deixal- o lá com a sua malcriação . A palavras loucas orelhas moucas . -- Então , vens , ó Luiz ? ... Ah ! não vens ? ... Bom : metto a porta dentro , gritou José Tesoura , dirigindo-se para a porta . Vá , rapazes , vá dentro . -- Jesus ! murmuraram as mulheres em convulsões de susto . -- Tenham juizo ! gritaram alguns homens prudentes . A este tempo já o tio||_André André|_André , o dono da casa e mais dois ou três amigos , tinham lançado mão dos seus bordões e saido para o caminho . Desordem por desordem , pois que ella se não podia evitar , antes fosse na rua . O campo de luta era mais largo , e menos gente se via n ' ella envolvida . Comprehendera José Tesoura a manobra dos da casa , e por isso vociferou : -- Olá rapazes , ahi temos os homens pela proa . Contemos com+nós . Nada de acobardar . É dar-lhes a valer . Pozeram-se na defensiva José Tesoura e os seus amigalhaços . Defrontados os dois grupos , cruzaram-se os cajados , e a bordoada , de parte a parte , foi de cego . O tio||_André André|_André tomara por objectivo o Tesoura . Para este convergiu o seu ataque . A bulha da rua , obrigada á zunida dos bordões , tinha por acompanhamento o vozear das mulheres no interior da casa , cada uma a chamar e a gritar por seu marido ou por seu íilho , ou por um parente . Luiz estava desesperado por o não deixarem soccorrer os offendidos , elle que valia talvez por todos . Depois de alguns momentos de lucta ouviu-se um forte gemido , e o estrondo de um corpo baqueando no chão . Era José Tesoura , que avergára ao peso de uma valente bordoada , que lhe fora direita á cabeça , amortecendo-lhe os sentidos . Baqueara o mais valente dos contendores . O tio||_André André|_André , como se lá diz , trazia entre dentes o José Tesoura . Andava ha tempos desejoso de corrigir dignamente aquelle pimpão , que a ninguém respeitava , nem a velhos , nem a novos , nem a mulheres . Constava lhe , além d' isso , que o maldizente nem a Ludovina poupara , andando a propalar falsidades referentes a ella e ao fidalgo . Não quiz , por isso , perder esta occasião vinda tanto de molde . Era , porém , homem de boa alma , o tio||_André André|_André : não aninhava em seu seio a vibora do ódio ou do rancor . Quando o Tesoura caiu , correu para elle ; ajudou-o a levantar e a conduzil- o para dentro de casa . Foi elle mesmo que lhe pensou a ferida da cabeça , e que depois , com outras pessoas o foi levar a casa da familia . Imagine-se o desgosto que causaria nos convivas o desagradável incidente com que terminou o folguedo d' aquella noite . Ludovina dava graças a Deus por haver obstado a que Luiz se envolvesse na briga . Luiz , por sua parte , lamentava que assim tivesse succedido , porque era a elle a quem competia tomar a desforra : elie é que devia ser o Magriço doeste torneio . Todavia , não poude deixar de agradecel- o ao tio||_André André|_André . O pimpão do velho n ' esta noite consolidara os seus legítimos créditos de consumado jogador de pau . Se elle levara de vencida o rei dos jogadores ! Scenas como a que o leitor acaba de ver eram outr'ora mui triviaes ; ainda peiores , porque muitas vezes havia a sua facada , e não raro o epilogo fora algum , enterro . Na epocha em que se passaram estes acontecimentos estava muito em voga a emigração clandestina . Era um louvar a Deus a maneira como ella se efíectuava ! Só por antiphrase se lhe podia chamar clandestina . Fazia-se com a maior semcerimonia d' este mundo , e á luz do meio dia ! Eu mesmo ainda fui testemunha presencial de algumas d' essas scenas ; e pasmei da imprevidência com que se pretendia obstar áquelle contrabando de carne humana . De mim , entendia eu que era muito mais curial mais bonita a franqueza de se declarar que embarcasse quem quizesse , como , quando e em qualquer idade e condição , pois que eram negativos os meios adoptados para pôr diques á corrente em que iam sobrenadando tantas victimas incautas até se engolpharem no mortífero pélago d' esses paizes contaminados de epidemias , em vez de arvorarem em systema um simulacro de providencias , que de coisa alguma serviam , e para nada prestavam . Como se podia evitar o embarque clandestino , se as pedras que orlam as ilhas são outros tantos cães ? Quando as medidas policiaes ou fiscaes redundam em meros ridículos , o mais acertado é dispensal- as , do que vexar inutilmente os povos . Os pobres dos regedores ruraes viara-se em calças pardas coitados ! Ao de Candellaria , a auctoridade superior , em officio-circular , recommendava-lhe : " N ' esta repartição consta confidencialmente , ( toda a gente o sabia ! ) quenos mares que banham a costa do sul da ilha , bordeja ha dias uma galera , cujos intuitos miram a receber emigrantes clandestinamente . Tenho , pois , por muito recommendar a v. s.queira obstar , por todos os meios ao seu alcance , a que na sua freguezia se effectuem embarques ; porquanto , só pelo porto da cidade elles são permittidos , afim de se fiscalisarem . " Concluida a leitura , o regedor exclamou : -- É muito boa ! Por todos os meios ao meu alcance devo obstar á emigração ! Quaes meios ? onde tenho a força ? Os cabos de policia ? Mando-os de noite rondar a costa ; muito bem : mas que pode um homem , ou mesmo dois , contra tantos ? mas que importa rondar de noite se os embarques se fazem de dia , amquanto os cabos estão nos seus trabalhos ; por que emfim , os cabos de policia também comem ; para comer é preciso ganhar o dinheiro com que elle se compra ; e para o ganhar é indispensável trabalhar . Ora elles não são como César , que estava em toda a parte ; não podem entregar-se aos seus trabalhos agrícolas , e ao mesmo tempo estar de sentmella ! Isto é lógico . Ninguém faz milagres . Lá que o embarque não é clandestino , isso não é ; é bem ás claras . Peguem-lhe , se podem ; eu cá fico-me a rir com estas sabias providencias . Tudo illusões , tudo farelorio . Não se admire o leitor de ser tão bem fallante este regedor . Assas lido e instruído era elle ; mais instruído e lido do que o vulgar do fanccionalismo elevado ; era , além d' isso , dotado de um excellente caracter , e de muito senso-commum . Era um reportório vivo de quan tas anecdotas lia e ouvia , citando-as a propósito de tudo . Levava a gente a ouvil- o n ' aquel ] as narrações , e não nos enfastiávamos . Fora educado com os frades ; e como d' elles recebesse a iniciação politica , e fosse d' estes homens de antes quebrar do que torcer , não quiz abjurar os princípios que professara , retirando-se para o isolamento da aldeia , onde se dedicou á vida do magistério .